Resolvi sair e para esses
lugares com cara de que você vai. Toda pessoa de cabelo cheio que passava eu achava
que era você. Assim como acho quando estou na rua, no supermercado, na fila do
cinema, dormindo. Virei uma caçadora de pessoas cacheadas. Virei uma caçadora
de você em todas as pessoas.
Então você chegou. E eu apenas
sorri e sorri e sorri. Porque era isso. Eu queria te ver apenas. A dor numa caixinha
embaixo dos meus pés e eu mais alta pra poder te abraçar sem dor, perto da sua
nuca e por um segundo. Eu te acho bonito de formas tão variadas e profundas e
insuportáveis. Eu vejo você parecendo um leãozinho no fundo da festa. Suando e
analisando. O rei escondido escolhendo a presa que não vai atacar. Com sua eterna
tristeza cheia de piadas afiadas. Suas facas afiadas de graças para defender as
tristezas que nadam baixas nos seus olhos de quem não quer fazer mal. Mas faz.
Seus olhos. Em volta um riozinho melancólico e no centro o sol feliz e novinho chegando. E tudo isso
vem forte como um soco de buquê de flores de aço no meu estômago.
E eu quero ir até você e te
dizer que eu sei que você sente espasmos enquanto dorme. E como eu gosto de
você por isso. Como eu gosto de você por causa do assunto que você tenta fazer
todos concordar quando o defende. Como gosto quando você lembra de alguém e
precisa demonstrar naquela hora porque tem medo da frieza das suas distrações.
Suas listas de culturas e atenções. A história do milagre que te salvou de quebrar
aquela estante. Você arrepiado falando em anjos. Essas suas delicadezas em
detalhes dormem e acordam comigo. Acariciam e perfuram meu peito vinte e quatro
horas por dia. Uma saudade dos mil anos que passamos. A loucura de gostar tanto
pra tão pouco ou simplesmente a loucura de tanto acabar assim.
Fora tudo o que guardei de
você, me restou a consideração que você guardou por mim. Sua ligação depois,
quando me encontra. Sua mão estendida. Sua lamentação pela vida como ela é. Sua
gentileza disfarçada de vergonha por não gostar mais de mim. A maneira que você
tem de pedir perdão por ser mais um cara que parte assim que rouba um coração. Você
é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido.
Finjo que aceito suas considerações,
mas é apenas pra ter novamente o segundo. Como o segundo do meu nariz na sua
nuca quando consigo, por um segundo, te abraçar sem dor. O segundo do seu nome
na tela do meu celular. O segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível
começar tudo de novo e eu charmosa e você me fazendo rir e tudo o que poderia
ser. O segundo em que suspiro e digo alô.
Então aceito a sua enorme consideração
pequena, responsável, curta, cortante. Aceito você de longe. Aceito suas costas
indo. Aceito o último cacho virando a esquina. O último fio preso no pé da
minha cama. Não é que aceito. Quem gosta assim não come migalhas porque é
melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na
garganta. Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em
todas as instâncias menos nos meus suspiros.
Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor. Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam pra ver você passar.
Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor. Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam pra ver você passar.